Que Diego Maradona deixou marcadores, zagueiros e goleiros adversários desconcertados com suas jogadas, não restam dúvidas. Afinal, o craque foi um dos grandes gênios do futebol. Mas, em 1990, ele provocou algo ainda maior: Maradona fez muitos torcedores do Napoli ficarem com os sentimentos confusos em plena Copa do Mundo. Torcer pela Itália que te despreza como cidadão ou pela seleção do seu maior ídolo?
Para entender melhor essa história, é preciso voltar ao ano de 1984. Após lutar até a última rodada para permanecer na 1ª divisão do campeonato italiano, o Napoli contrata Maradona, então com 24 anos e vindo do Barcelona. O argentino ainda estava distante da lenda que se tornaria nos gramados, mas seu talento já chamava a atenção do mundo todo. A apresentação no estádio San Paolo teve direito a helicóptero e presença de milhares de torcedores apaixonados. Era muito até então para os napolitanos. Embora tradicional na região sul da Itália, o Napoli era quase inexpressivo em conquistas. Até aquele ano, os títulos do clube se resumiam às divisões inferiores da Itália e duas Copas da Itália (61-62 e 75-76). O que os torcedores talvez não imaginavam é que a chegada daquele jovem sul-americano representaria o início da era de ouro do Napoli.

Sob o comando de Maradona – com grande destaque também para os atacantes Carnevale, Giordano e o brasileiro Careca – o Napoli ganhou seus únicos dois títulos italianos (86-87 e 89-90), a Copa da Itália da temporada 86-87, a Supercopa da Itália de 90 e o único título continental do clube, a Copa da Uefa de 88-89. Era uma façanha e tanto para um clube mediano em um país dominado por gigantes como Juventus e Milan.

Além do campo, os feitos liderados pelo talento de Maradona tinham um grande simbolismo social. Era a vitória de Nápoles frente ao preconceito dos moradores do norte do país, que se referiam à cidade como perigosa, caótica, suja e com pessoas pobres e preguiçosas. O craque passou, então, a ser idolatrado por um povo, que fazia de Nápoles cada dia mais um pouco argentina.
Na Copa do Mundo de 90, quis o destino que uma das semifinais fosse justamente Itália e Argentina. E pior, em pleno estádio San Paolo, em Nápoles. Venerado pelos torcedores e reconhecido como uma lenda, após ter comandado sua seleção para a conquista do Mundial quatro anos antes, Maradona tratou de colocar toda sua idolatria à prova, ao convocar os napolitanos para torcerem para a Argentina. “Durante 364 dias do ano vocês são considerados pelo resto do país como estrangeiros em seu próprio país e, hoje, têm de fazer o que eles querem, torcer pela seleção italiana. Eu, por outro lado, sou napolitano os 365 dias do ano”, disse o craque, às vésperas do confronto entre as duas seleções.
O impacto do apelo de Maradona foi tamanho que o próprio presidente da federação italiana chegou a ir à televisão pedir para que os torcedores de Nápoles apoiassem a Azzurra e pesquisas de opinião foram feitas para calcular até que ponto o craque argentino influenciaria no coração e mente dos torcedores locais.
No dia do jogo, 3 de julho, o que se viu entre os 59 mil presentes ao estádio foi uma mistura de sentimentos. “Diego nos corações, Itália nas canções”, dizia uma bandeira. “Maradona, Nápoles te ama, mas Itália é nossa pátria”, afirmava outra.

No campo, parte dos torcedores napolitanos não se entristeceu ao final: 1×1 e vitória da Argentina nos pênaltis. O triunfo sul-americano provocou nova confusão: napolitanos torceram para a Argentina na final e o resto da Itália apoiou a Alemanha, a ponto de vaiarem a execução do hino argentino. Na decisão, os alemães venceram por 1×0, sagrando-se tricampeões do mundo.
Passadas quase três décadas desde aquela semifinal, muita coisa mudou em Nápoles. Longe das glórias dos tempos de Maradona, o clube foi rebaixado duas vezes e chegou a decretar falência em 2004, um fim que não se consolidou. Terceiro colocado na temporada 2018 e na liderança do grupo C da Liga dos Campeões, o Napoli tenta dar uma amostra do que já foi um dia. Mas, entre os torcedores, há duas coisas que não mudam: a fé em San Genaro, patrono da cidade, e o culto a Maradona.
