1982 – o ano que o futebol nasceu (em mim)

Normalmente, é bem difícil localizar o marco zero de certas coisas em nossa vida. Mas o futebol é capaz de nos deixar marcas indeléveis. 

Posso lembrar do exato momento em que entendi o que era esse troço. Eu brincava distraído no chão, quando, sobre minha cabeça, voou uma cadeira que foi se espatifar lá no fim do salão. O povo na frente do telão estava alucinado. Mais tarde fui saber o motivo: gol de Éder na virada do Brasil sobre a URSS, 2 a 1, na estreia da Copa da Espanha. O arremessador de cadeira: meu pai.

Nos meus 6 anos, aquilo me fez olhar com curiosidade para o que estava acontecendo no mundo. Pelo menos ao meu redor. Descobri algo chamado futebol e que, este, era um pouco diferente daquilo tratávamos como chutar bola. Peguei uma tabela da tal Copa (tenho até hoje) e conheci países, bandeiras, resultados e uma engrenagem de classificação até se determinar um campeão. Ganhei uma bandeira  (também ainda guardada como relíquia) para torcer devidamente paramentado.

Acompanhei, na sequência, duas goleadas brasileiras e ouvi várias vezes nomes como Zico, Sócrates, Falcão, Júnior (igual ao meu!). Na tabela tinha grupo em que os times só empatavam, tinha goleada de 10 a 1 e a engrenagem andava. Até que veio um jogo maluco contra a Argentina. Na verdade, as pessoas ficaram malucas com esse jogo, e eu aprendi que existia um tempero picante naquela receita: a rivalidade. Mais festa e euforia.

Capa do Jornal da Tarde após
a partida contra a Itália

Eu já devia estar pronto para ser campeão e aprender de vez o sabor do futebol. Mas, antes, tive de aprender o amargor da derrota. Perder? Como é possível? Não era esse time o melhor do mundo? Deus não era brasileiro? Como pode? Bem-vindo, garoto, à realidade da vida. Se quiser, chore.

O tempo faz tudo se acomodar. Afinal, a vida segue. Saltamos para as festas de fim de ano, ainda em 1982 e eu já maduro, com 7 anos. Casa da tia com umas 50 pessoas da família. Toda a alegria num churrasco, música, gente comendo e dançando, há alguns dias da chegada do Natal. E o que a memória resgata? A pequena televisão ligada na garagem e o Corinthians fazendo três gols no São Paulo para o comemorar o título paulista daquele ano.

Então é isso?! Esse é o sabor de ser campeão! Já sei: amo futebol e sou corinthiano! Pronto! 

E pra quem entende o que é criar superstições, regras e teorias da coincidência em torno do futebol, lá vai mais esta. Desde o mágico 1982, todos os anos de final dois foram igualmente maravilhosos. Em 2002, o Corinthians levantou uma Rio-São Paulo e uma Copa do Brasil, além de a Seleção abocanhar o penta na Copa de Japão e Coréia do Sul. E no memorável 2012 estão registrados a Libertadores e o Mundial do alvinegro de Parque São Jorge. Sem mais.

Ah, sim! Há quem perguntará: Mas e 1992? Quem entende de futebol também sabe que as superstições, regras e teorias servem só até o limite do nosso interesse. E que venha 2022!  

Nelson Albuquerque Jr., jornalista e escritor (especial para o Extracampo)