Domingo, 29 de junho de 1997. Dia da final da Copa América entre Brasil e Bolívia. Horas antes da partida que seria disputada em La Paz, a delegação boliviana recebeu uma terrível notícia: o filho de Ramiro Castillo, meio-campista titular da seleção, havia sido internado às pressas em virtude de uma hepatite grave.
“A notícia veio e eu tive que dar a ele. Interrompi o trabalho dele e disse: ‘Seu filho está em terapia intensiva’. Ele rapidamente tirou a camisa, jogou para mim e fugiu”, recordou o fisioterapeuta da seleção boliviana, Omar Rocha. Castillo abandonou imediatamente a concentração para ir ao hospital. O dia que prometia ser a melhor de sua carreira futebolística, acabou sendo o pior de sua vida pessoal. O menino José Manuel acabou falecendo no dia seguinte.
O destino também conspirou contra a Bolívia naquele distante domingo de 1997. Após virar o primeiro tempo em 1×1 (com uma falha terrível do goleiro Taffarel no chute de Erwin Sanchez), a Bolívia realizou uma enorme pressão nos 25 minutos iniciais do segundo-tempo para ficar em vantagem na partida. Colocou três bolas na trave, mas não conseguiu marcar. O Brasil, mesmo com pouco fôlego, conseguiu fazer o segundo gol em uma tabela entre Denílson e Ronaldo (à época chamado de Ronaldinho). Nos acréscimos Zé Roberto fez o terceiro e sacramentou o titulo. O primeiro da seleção canarinha em uma edição disputada fora do Brasil.

Final de partida. O técnico Zagallo ofegante e com o rosto vermelho avisa para todo o pais: “Vocês vão ter que me engolir”. Mas a Bolívia havia feito uma grande apresentação. Se existisse o VAR em 1997 o resultado poderia ter sido outro. Impedido, Edmundo desviou o chute do primeiro gol brasileiro. O mesmo Edmundo também deveria ter sido expulso apos um soco no volante Cristaldo. De qualquer forma, a seleção paceña não conquistou seu segundo titulo da Copa America. O primeiro (e único) troféu continental havia sido conquistado em 1963.
A derrota impediu a consagração de uma geração de ouro boliviana. Talvez a melhor da história do pais. Quem acompanhou os duelos entre Bolívia e Brasil nos anos 1990 deve s lembrar de nomes como Marco “El Diablo” Etcheverry, Erwin “Platini” Sánchez, Carlos Trucco, Marco Sandy, Julio Cesar Baldivieso, Jaime Moreno, Luis Cristaldo e… Ramiro Castillo. Juntos eles conquistaram a classificação para a Copa do Mundo de 1994 e esperavam o titulo em casa da Copa America de 1997 diante de um estádio Hernando Silles lotado. Seria o final perfeito de uma nação não exatamente destinada à felicidade.

NEGRO, MAGRO, HUMILDE E… TALENTOSO
Em um país dividido entre indígenas e brancos, Ramiro Castillo era um raro negro boliviano. De acordo com o censo nacional de 2012, apenas 16 mil pessoas se declararam afro-bolivianas. Pouquíssimos para um país de 10 milhões de habitantes.
Castillo ganhou o apelido de “Chocolatín”. O jogador era um magro meia-atacante com habilidade e um potente chute. Em 1985, iniciou a carreira no The Strongest. Dois anos depois foi contratado pelo Instituto de Corboba (1987-88, 27 partidas, 1 gol) e iniciou uma bem-sucedida seqüência pelo futebol argentino. Ao longo de sete anos passou também pelo Argentino Junior (1988-90, 69 partidas, 8 gols), River Plate (1990/91, 10 partidas, 1 gol), Rosário Central (1991-92, 16 partidas) e Platense (1993-94, 23 partidas, 1 gol). Foram 146 partidas e 10 gols marcados por clubes argentinos. Recorde boliviano não superado até os dias atuais.

Nito Veiga, treinador de Castillo no Argentino Juniors, afirmou em uma ocasião: “Se Chocolatín vestisse a camisa da Argentina ou do Brasil, valeria milhões de dólares”. Fazia algum sentido. O futebol boliviano, tão menosprezado no cenário internacional, não é somente altitude. Havia muito talento paceño nos gramados. Especialmente a geração dos anos 1990.
O auge de Castillo já havia passado quando foi disputada a Copa América de 1997. Aos 31 anos, jogava no Bolívar (apesar de ser torcedor e ex-jogador do The Strongest) e começou o torneio continental na reserva. No entanto, uma grande atuação nas semifinais contra o México, com direito a um gol na vitória por 3×1, garantiu sua presença entre os titulares na final contra o Brasil. Até a terrível notícia.
Ramiro Castillo: seguir até sucumbir
Ramiro seguiu jogando após a morte de seu filho, mas alguns vazios são difíceis de preencher. Em 18 de outubro de 1997, aproximadamente três meses e meio após a morte de seu filho, Ramiro Castillo cometeu suicídio em sua casa. Amarrou uma gravata no pescoço e resolveu dar um fim ao seu sofrimento. O ato ocorreu na véspera de uma partida entre Bolívar x The Strongest. Clássico imediatamente cancelado após a notícia da morte de Ramiro. Em uma triste manhã de sábado, a Bolívia lamentava a perda de um dos seus ídolos.
A data da morte de Ramiro ocorreu um dia após o que seria o aniversário de 8 anos de José Manuel. A depressão que o acometeu nem o futebol conseguiu diminuir. Foi enterrado ao lado do filho. De alguma forma estavam juntos novamente.
