Osvaldo Ardiles foi um dos grandes nomes do futebol argentino do final dos anos 70 e início da década de 80. Meio campo de muita técnica e precisão no passe, era o que se chama hoje de volante moderno. Vestindo a camisa albiceleste, foi titular e campeão da Copa do Mundo de 1978, com direito a participação em um dos gols da vitória por 3×1 diante da Holanda, na final.

Ardiles jogou tanto no Mundial que naquele mesmo ano o técnico do Tottenham Hotspur, Keith Burkinshaw, foi até a Argentina para contratá-lo. Camisa 2 da seleção comandada pelo lendário técnico César Luis Menotti – no torneio, a numeração obedeceu a ordem alfabética dos sobrenomes – ele seria o precursor entre os argentinos no futebol inglês. Acabou não indo sozinho. Por 750 mil libras, o time londrino comprou ele junto ao Huracán e o meia do Racing e da seleção argentina, Ricardo Julio Villa. Era o início da trajetória dos hermanos na terra da Rainha.
Logo no começo eles perceberam que a vida no novo continente não seria nada fácil. Afinal, não eram apenas os dois únicos argentinos, mas também os primeiros jogadores não britânicos a atuar no Reino Unido. “Era uma liga muito fechada e até surgiram vozes no Parlamento contra nossa chegada porque estaríamos tirando trabalho dos britânicos”, escreveu Ardiles em um artigo para a revista SoHo.
O tempo, porém, mostrou que Burkinshaw havia tomado a decisão certa. O clube tinha acabado de retornar à primeira divisão. Ardiles e Ricky Villa, como Ricardo era chamado, passaram a fazer o time jogar bonito, com qualidade e, principalmente, bola no chão. Era um choque para o velho futebol inglês de força e bolas alçadas na área.

Juntos, os dois argentinos foram fundamentais para a conquista da Copa da Inglaterra em 1981. Foi de Ricky Villa um dos gols da vitória por 3×2 contra o Manchester City na grande final, em Wembley.
Os feitos com os Spurs deram uma imensa popularidade a Ardilles. Um reconhecimento que extrapolou os gramados. O craque participou do filme “Fuga para a Vitória”, ao lado de estrelas do futebol, como o inglês Bobby Moore e o rei Pelé e o ator Sylverster Stallone. Virou também personagem principal de uma música de sucesso cantada pela dupla londrina Chas & Dave.

Tudo parecia perfeito até o começo de 1982, quando a política colocaria o jogador no meio de uma guerra entre os dois países de sua vida.
Ardiles e a Guerra entre Argentina e Inglaterra
Era manhã de 2 de abril de 1982 quando as tropas argentinas desembarcaram em Stanley, a capital das Ilhas Malvinas. O arquipélago sob o domínio da Inglaterra desde 1833 voltava a ser comandado pela Argentina 149 anos depois.
A reconquista das Malvinas representava uma tentativa desesperada do ditador Leopoldo Galtieri de ganhar apoio popular e distrair o povo diante dos problemas latentes do país. Se a ideia era incendiar o nacionalismo argentino, ele conseguiu. Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas. Primeiro, para celebrar o domínio das Malvinas. Segundo conta o livro “Os Hermanos e Nós”, de Ariel Palácios, o que se viu depois foi o nascimento de um forte sentimento anti-britânico. Multidões fanatizadas passaram a apedrejar comércios com nomes britânicos. Acabara ali o ditado popular que definia o argentino como “um italiano que fala espanhol e pensa que é inglês”.
Pelo lado da Inglaterra, mesmo enfrentando problemas econômicos e resistência internacional, a primeira-ministra britânica Margareth Tatcher decide pela reocupação do que chamam de Ilhas Falkland. Estava instaurada a Guerra.
Não demoraria nada para que aquele clima bélico interferisse na vida de Ardiles. Um dia depois da tomada das Ilhas pelos argentinos, Tottenham e Leicester disputariam uma das semifinais da Copa da Inglaterra. Naquele momento, a animosidade sairia das ruas e invadiria as arquibancadas. A cada vez que o volante tocava na bola, a torcida adversária gritava: “Inglaterra, Inglaterra, Inglaterra”. Como resposta, fãs do Tottenham diziam “Argentina, Argentina, Argentina”. Enquanto argentinos e ingleses se matavam, torcedores dos Spurs optaram em apoiar seu ídolo.
Aquela seria a última partida de Ardiles pelo Tottenham. Depois do duelo, ele se juntou à seleção da Argentina para a disputa a Copa de 82, na Espanha. Nem ele nem Villa, que estava em Londres, jogaram a final da Copa da Inglaterra, vencida pelos Spurs contra o Queens Park Rangers.

Para piorar a situação, José Leônidas Ardiles, primo do jogador e piloto da Força Aérea Argentina, foi morto durante a Guerra. E isso a menos de um mês do início do Mundial. Em campo, a seleção vai mal e cai na segunda fase, trazendo na bagagem uma derrota de 3×1 para o Brasil de Zico, Sócrates, Falcão e companhia.
Pressionado por todos os lados, Ardiles decide que era hora de sair. “Para a imprensa argentina, eu era um traidor; para a inglesa, um espião. Tudo o que dizia era visto com 20 lupas e interpretava mal. Então, pedi ao clube que me transferisse. O técnico não queria saber de nada. O presidente me disse que fosse à Argentina e que quando estivesse bem, voltasse. Eu não podia ficar parado”, disse em 2011 ao jornal El Gráfico.
Quando ele sai do Tottenham, a Guerra já havia acabado, com vitória da Inglaterra e um triste saldo de 907 mortos de ambos os lados. Longe de sua terra natal e do clube em que se tornou ídolo, o volante encontrou abrigo no Paris Saint-Germain, onde atuou seis meses por empréstimo.
Com uma atuação apagada no PSG e com um clima menos hostil,o jogador não exitou em voltar ao Tottenham, onde viria a ganhar a Copa da Uefa em 1984. Jogou até 1988 e se consolidou como um dos maiores ídolos da história do clube.
Com vários trabalhos como treinador, Ardiles hoje vive em Londres e é o embaixador oficial do Tottenham. Do conflito das Malvinas, ele aprendeu uma importante lição extracampo. A de que política e futebol sempre andam juntos.