Benzema fora da Copa: escândalo, política e xenofobia

O técnico da seleção francesa, Didier Deschamps, convocou na última quinta-feira (17) os 23 atletas que representarão o país na Copa da Rússia. Recheada de estrelas, como  Pogba (Manchester United), Mbappé (PSG) e Griezmann (Atlético de Madrid), os Bleus chegam como um dos favoritos ao Mundial. Referência da seleção na Copa de 2014, Karim Benzema ficou de fora.  

Ainda que longe de sua melhor fase na carreira, Benzema continua sendo decisivo no Real Madrid. Jogando no estádio Santiago Bernabéu, marcou os dois gols no empate contra o Bayer de Munique que garantiram o time merengue na final da Liga dos Campeões. A ausência do atacante, na realidade, envolve pouco futebol e muito o extracampo.  

No final de 2015, Benzema foi pivô de um escândalo com o compatriota e colega de seleção, Mathieu Valbuena. Segundo a acusação do meia na época – atualmente no Fenerbahce – o atacante teria participado de uma chantagem para não divulgar um vídeo com conteúdo sexual. O caso foi exposto pelo jornal L’Equipe, por meio da transcrição de uma conversa entre Benzema e um amigo (Karim Zenati), na qual falavam sobre o conteúdo das imagens de Valbuena e a namorada. O grupo liderado pelo amigo do atacante madrilenho pedia 150 mil euros para não espalhar o vídeo.

Benzema foi acusado pela Justiça francesa de conspiração e chantagem e acabou afastado da seleção pela Federação Francesa de Futebol. O atacante sempre alegou inocência, dizendo que entrou na conversa para ajudar Valbuena e, assim, evitar que o vídeo viesse a público. Em julho de 2017, o Supremo Tribunal da França concedeu um recurso ao jogador, o que obrigou a repetição de todo o processo.

Mesmo com o respiro judicial, o atacante nunca mais foi convocado para defender a seleção. Para ele, mais do que o imbróglio com Valbuena, sua ausência na Copa tem explicações bem mais profundas e envolve racismo, xenofobia e política.  

Argelino ou francês?

Benzema é mais um entre as muitas estrelas da seleção com raízes fora da França. O atacante é filho de argelinos, assim como Zinedine Zidane, maior craque francês e herói da Copa de 98. É uma realidade bastante comum nos gramados e nas ruas. Segundo dados oficiais, há mais de 6 milhões de imigrantes vivendo no país. E isso se reflete no futebol. Para se ter uma ideia, na seleção vice-campeã da última Eurocopa, 17 atletas tinham origens fora da França. É a chamada geração Black-Blanc-Beu (negros, brancos e árabes), uma miscigenação usada politicamente como um trunfo nos bons resultados, mas duramente questionada nos fracassos dos Bleus.

Diferente de Zidane, o atacante nunca caiu nas graças do povo, até sendo visto por muitos como indiferente ao país em que nasceu. Essa tensão aumentou ainda mais quando veio a público uma declaração dada pelo craque a uma rádio, ainda em 2006. Na época, o jogador foi questionado se consideraria atuar pela seleção argelina. “Argélia é o país dos meus pais e eu a amo muito, mas vou jogar pela França. Aqui a questão é esportiva e Argélia é meu país natal”, respondeu.

A frase gerou um intenso debate durante as eleições de 2017, justamente em um período de forte repressão à imigração na Europa e com avanço da extrema-direita na França e em vários países do continente.  Marion Le Pen – sobrinha da candidata ultranacionacionalista derrotada Marine Le Pen -tratou de usar politicamente a mensagem: “Que ele jogue pelo ‘seu país’, se não está contente”, disse a ex-deputada.

Com a questão étnica à flor da pele na sociedade, o próprio Benzema declarou que sua origem imigrante e a questão política seriam os motivos para que ficasse de fora da seleção. Segundo ele, Deschamps “sucumbiu à pressão de uma parte racista da França”, ao não levá-lo para a Eurocopa de 2016. O treinador, à época, disse levar em conta questões desportivas e o comportamento dos atletas em suas escolhas.

Benzema e a Marselhesa

Assim como muitos ídolos que vestiram a camisa da seleção francesa, o atacante do Real Madrid não canta o hino do país. Michel Platini, Zidane e Franck Ribery, todos ligados a antigas possessões da França, também não entoavam a letra que diz: “Às armas, cidadãos. Formai vossos batalhões. Marchemos, marchemos! Que um sangue impuro banhe o nosso solo”. Para muitos, como o ex-jogador Christian Karembeu, um gesto de protesto contra as guerras e a xenofobia presente no cântico e na sociedade francesa.   

Por conta dessa recusa, em 2013 a Frente Nacional, fundada por Jean Marie Le Pen – pai de Marie Le Pen – chegou a chamar Benzema de mercenário e pediu seu banimento da seleção. Mesmo ele tendo disputado a Copa no Brasil, a polêmica envolvendo a Marselhesa não diminuiu.

Em novembro de 2015, ataques terroristas com tiros e explosões deixaram 129 mortos em Paris. Os atentados foram os mais sangrentos em território francês e, como já era esperado, causaram uma enorme comoção mundial.

Nos estádios de futebol, minutos de silêncio e homenagens às vítimas da carnificina coordenada pelo Estado Islâmico.No clássico entre Barcelona e o Real Madrid, dias depois dos ataques, foi tocada a Marselhesa. Mais uma vez, Benzema não canta e ainda é flagrado pelas câmeras dando uma cusparada no chão após o hino.

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Foi um prato cheio para que muitos torcedores questionassem o gesto e até mesmo exigissem medidas drásticas por parte da Federação. Trazendo a questão para a política, a eurodeputada da ala conservadora, Nadine Morano, foi ainda mais dura, ao dizer que a cusparada seria uma forma de “ desprezo e uma ofensa às vítimas, às famílias e à toda a nação”.

Após a repercussão, Benzema disse ter considerado o gesto “banal”, feito por muitos atletas em jogos, e classificou de “escandalosas” as interpretações de desprezo aos mortos. Muitos franceses também defenderam o craque, que nas redes sociais publicou várias mensagens de solidariedade às vítimas.

De origem humilde, introvertido e avesso a entrevistas, Benzema paga caro por sua vida extracampo. Sua história – como a de muitos jogadores Black-Blanc-Bleu – expõe as feridas sociais abertas de um país que não consegue seguir à risca seu lema: liberdade, igualdade e fraternidade.