Uma das maiores zebras da história das Copas do Mundo foi a vitória em 1950 da seleção amadora dos Estados Unidos sobre a poderosa Inglaterra. Tão improvável que ficou conhecida como “O Milagre de Belo Horizonte”
O time americano era literalmente um “catado”. Os jogadores trabalhavam em outras profissões. Tinha professor, agente funerário, soldado do exército e apenas um jogador profissional… o soccer era uma exótica atividade para as horas vagas e os resultados um mês antes da Copa ratificaram o amadorismo da seleção: derrota por 5×0 para os turcos do Beskitas e por 9×0 para a seleção italiana.
Por sua vez, a Inglaterra era o oposto futebolístico: profissional, favorita ao título, “kings of the foot-ball”. Pela primeira vez na história os ingleses aceitaram disputar a tal Copa do Mundo. Desprezaram as edições de 1930, 1934 e 1938 por considerar a competição de baixo nível técnico. Em 1950 chegaram ao Brasil para confirmar a superioridade e levar o caneco para a terra dos inventores do futebol.
O grupo da Inglaterra na Copa de 1950 era composto pelas seleções da Espanha, Chile e Estados Unidos. Na primeira rodada acontece o previsível com uma vitória da Inglaterra sobre o Chile por 2×0 e derrota americana para a Espanha por 3×1. Na rodada seguinte, a soberba iria derrubar o English Team.
Prevendo uma vitória fácil, os ingleses decidiram poupar alguns jogadores na partida contra os ingleses para a decisão do classificado do grupo na rodada seguinte contra a Espanha. Entre os poupados estava Stanley Matthews, o craque do time e considerado melhor jogador do mundo. Uma vitória dos Estados Unidos era tão improvável que uma Casa de Apostas de Londres pagava 500 por 1 em uma vitória americana. Um investimento melhor que bitcoin.
Como esperado, a Inglaterra controlou as ações da partida, mas não conseguia transformar sua superioridade em gols. Até que aos 37 minutos do primeiro tempo acontece o que era considerado impossível: um gol norte-americano.
O HERÓI IMPROVÁVEL
Joe Gaetjens, um imigrante haitiano foi o responsável pelo gol. Gaetjens trabalhava como lavador de pratos do Rudy’s Café, um restaurante que servia comida espanhola, em Nova York e completava seu salário jogando pela equipe do Brookhattan, uma equipe da extinta American Soccer League (ASL). Ganhava 25 dólares por partida.
O fato de ter vindo de um dos países mais pobres do mundo pode sugerir que Joe era mais um miserável dentre tantos conterrâneos. Não é verdade. Sua família administrava escolas e negociava rum e café. Eram bem-sucedidos e Gaetjens chegou ao Estados Unidos para estudar contabilidade na Universidade de Columbia com visto de residência temporário.

Não há registros do seu feito contra a Inglaterra. Um gol de cabeça em um raro ataque dos Estados Unidos. As câmeras estavam posicionadas para o outro lado. Quem imaginaria um gol americano?
Apesar da surpresa do gol ainda havia muita partida pela frente. Porém as chances inglesas esbarravam no goleiro Frank Borghi. De alguma maneira sustentavam o placar até o final do jogo e em delírio com a vitória do Golias, Gaetjens é carregado em glória pela torcida brasileira presente no estádio Independência, em Minas Gerais.

Apesar da agência de notícias Reuters registrar com precisão o resultado de 1×0 para os americanos, a maioria dos jornais ingleses acreditou que o telex havia se equivocado e publicaram o resultado do jogo como 10×0 ou 10×1 para a Inglaterra. Não era possível ter ocorrido uma vitória de amadores sobre profissionais.
Após a Copa, Gaetjens assinou um contrato profissional com o Racing Club de Paris. Após uma passagem apagada, voltou para ao país natal como herói nacional e chega a disputar uma partida pelo Haiti nas eliminatórias para a Copa de 1954. Sem sucesso encerra a carreira do futebol, continua no país como administrador de uma cadeia de Lava-Rápido e treina jovens no futebol.
Apesar de não ter envolvimento político, sua família era opositora da presidente, e depois ditador do Haiti, François Duvalier, conhecido como Papa Doc. Em 1964, seria capturado e assassinado pela Tonton Macoute, a polícia da ditadura haitiana. O gol de 1950 não valeria nada em tempos de exceção.

Todo mundo possui uma vitória inesquecível contra uma equipe considerada superior. Um triunfo contra a turma da rua vizinha, um jogo interclasses, um dia improvável lembrado por muitos anos em rodas de amigos. O momento mágico de Gaetjens ocorrera em 29 de junho de 1950 e nem o amadorismo americano, a soberba inglesa e a ditadura de Papa Doc poderão apagá-lo da história.